Programas policialescos e política: das telas para as urnas

Programas que narram crimes e violências alcançam grande audiência no Brasil. Com a simpatia do público, muitos apresentadores decidem entrar para a política

Por Amanda Stabile

02|02|2024

Alterado em 02|02|2024

Provavelmente, você já deve ter jantado ou almoçado assistindo a um daqueles programas dedicados quase exclusivamente a narrar crimes e violências de forma exagerada. Esses programas, veiculados na televisão ou no rádio, são chamados de policialescos – termo cunhado pela pesquisadora Suzana Varjão – e violam inúmeros direitos humanos em cada exibição.

Em 2015, por exemplo, o estudo Violações de direitos na mídia brasileira, publicado pela ANDI, em parceria com o Intervozes, a Artigo 19 e o Ministério Público Federal, constatou que pelo menos 12 leis brasileiras e 7 tratados multilaterais são desrespeitados cotidianamente pelos policialescos. Dentre as mais recorrentes está a exposição indevida de pessoas, desrespeito à presunção de inocência e incitação ao crime e à violência. Frases como “bandido bom é bandido morto” são comuns nessa programação.

Nem crianças e adolescentes escapam das violações desses programas. Suas imagens são expostas e ridicularizadas, seja como acusadas de praticarem atos infracionais ou como vítimas de violências. Até os pequenos que estão em suas casas são impactados pelos discursos de ódio propagados pelos policialescos que, por serem considerados produtos jornalísticos e terem classificação indicativa livre, são veiculados em qualquer horário.

No Brasil, tais programas alcançam grandes números em audiência e influenciam significativamente o pensamento de quem os assiste. Percepções distorcidas e estigmatizadas sobre crime, segurança pública e o papel da justiça são amplamente propagadas de forma sensacionalista.

A glorificação da violência policial e dos abusos de poder são frequentes, colaborando para a desumanização de acusados – geralmente negros e pobres – e para a promoção da violência como a única solução possível para os problemas sociais. Assim, a brutalidade é exibida em milhões de casas como algo normalizado todos os dias.

Nesse cenário, muitos apresentadores ganham a simpatia do público, sendo considerados importantes agentes na luta contra o crime e pessoas que buscam justiça para a população. Com “boa fama” e audiência, muitos migram das telinhas para as urnas, para defender no âmbito político a “lei e a ordem” com discursos punitivistas, rigorosos e que desconsideram o contexto político e social vivido no país.

Abaixo, listamos seis políticos que iniciaram suas carreiras em programas policialescos. Confira:

1

Amaro Neto – Espírito Santo

Natural de Vitória (ES), Amaro Rocha Nascimento Neto iniciou sua vida profissional aos 15 anos como narrador esportivo na Rádio Tropical, em 1992. Após se formar em Jornalismo,  tornou-se apresentador dos programas Balanço Geral (2009) e Brasil Urgente Minas (2012). 

De volta ao Espírito Santo, Amaro se candidatou a deputado estadual em 2014 e foi eleito como o mais votado do estado. Em 2016, disputou a prefeitura de Vitória, mas perdeu no segundo turno. Em 2018, o apresentador se candidatou a deputado federal e foi eleito com mais de 180 mil votos. Nas eleições de 2022, Amaro foi reeleito para mais quatro anos no cargo.

2

Barbosa Neto – Paraná

Homero Barbosa Neto nasceu em Santa Rita do Passa Quatro (SP), e construiu toda a sua carreira em Londrina (PR). Sua trajetória no jornalismo se iniciou no final da década de 1980, como repórter esportivo na Rádio Alvorada. Ele também foi repórter e apresentador de diversos programas policialescos, como o Balanço Geral Londrina (RIC TV, afiliada à Record TV), além de ser sócio-proprietário da Rádio Brasil Sul, uma das mais importantes do estado.

Entre 2002 e 2007, Homero foi deputado estadual, eleito com mais de 100 mil votos. De 2007 a 2009, cumpriu um mandato como deputado federal. De 2009 a 2012, assumiu a prefeitura de Londrina. Porém, em 30 de julho de 2012, foi cassado e destituído como prefeito por improbidade administrativa, devido a irregularidades na compra de materiais para a Secretaria Municipal de Educação, segundo o Tribunal de Justiça do Paraná (TJ-PR).

3

Evaldo Costa – Ceará

Natural de Floriano (PI), o ex-militar Evaldo Costa iniciou sua carreira em uma pequena rádio em Pacajus, no interior do Ceará. Após fazer sucesso, assumiu como apresentador em rádios de Fortaleza (CE), como a FM 93 e a Rádio Liderança. Evaldo também apresenta o programa Cidade 190, na TV Cidade, que cobre notícias policiais e assuntos relacionados à segurança pública.

Em 2016, o apresentador foi eleito vereador em Fortaleza, cargo para o qual não conseguiu reeleição em 2020. Em 2022, Evaldo também não obteve sucesso em sua candidatura a deputado estadual.

4

Vitor Valim – Ceará

Vitor Valim iniciou sua carreira como apresentador na rádio Cidade AM, em Fortaleza (CE), sua cidade natal. Em 2004, ingressou no Cidade 190 (TV Cidade), programa que aborda notícias policiais da região. Conhecido por falar a verdade “doa a quem a doer”, Vitor ingressou na política em 2008, quando foi eleito vereador de Fortaleza, reelegendo-se em 2012. 

Em 2014, candidatou-se a deputado federal, sendo eleito com mais de 90 mil votos. Em 2018, o apresentador também obteve sucesso em sua candidatura a deputado estadual. Em 2020, Vitor foi eleito prefeito do município de Caucaia (CE).

5

Wagner Montes – Rio de Janeiro

Zenóbio da Costa e Silva, conhecido pelo nome artístico Wagner Montes, iniciou sua carreira jornalística como repórter policial em 1974, na Rádio Tupi do Rio de Janeiro. Também apresentou programas como Aqui Agora (TV Tupi), O povo na TV (SBT), Jornal Policial (SBT), 190 Urgente (CNT), Cidade Alerta Rio (Record) e Balanço Geral (Record).

Wagner contribuiu para a popularização dos programas policialescos e ficou conhecido por reproduzir expressões como “bandido bom é bandido morto” e “justiça com as próprias mãos”.

O apresentador entrou para a política em 2006, quando se elegeu deputado estadual pelo Rio de Janeiro com mais de 100 mil votos. Foi reeleito com mais de 500 mil votos em 2010 e com quase 250 mil votos em 2014. Wagner faleceu em 2019, aos 64 anos, vítima de câncer.

6

Wallace Souza – Amazonas

O ex-policial civil Francisco Wallace Cavalcante de Souza, conhecido como Wallace Souza,  iniciou sua carreira na TV em 1996, apresentando o Canal Livre, na TV Rio Negro (hoje TV Bandeirantes Amazonas), em Manaus (AM). O programa diário, exibia reportagens explícitas sobre homicídios, sequestros, e operações policiais.

Com o sucesso do programa e a projeção de sua imagem como um defensor da população, Wallace decidiu entrar para a política e, em 1998, foi eleito deputado estadual  com mais de 50 mil votos. O apresentador ocupou o cargo por três mandatos consecutivos, até 2009.

Em 2008, Wallace e seu filho, Raphael Souza, foram acusados pelo ex-policial militar Moacir Jorge Pereira da Costa, conhecido como “Moa”, de comandarem um grupo de extermínio em Manaus. Após investigação, junto de seus irmãos, Carlos e Fausto Souza, o deputado também foi acusado de associação ao tráfico e de encomendar o assassinato de traficantes rivais a ele para exibir em seu programa de TV e aumentar a audiência.

O mandato de Wallace como deputado estadual foi cassado em outubro de 2009, e teve a prisão preventiva decretada pela Justiça pelo crime de associação para o tráfico. Em decorrência de problemas pneumológicos, ele foi internado naquele mesmo ano e faleceu em julho de 2010 vítima de uma parada cardíaca.